De Janeiro a Dezembro corre um ano civil, mas ao longo do tempo, a maioria dos portugueses, habituou-se a raciocinar de Setembro a Agosto, aguardando com entusiasmo as férias grandes do Verão. Este fenómeno é de todo patente no Ensino, e inicia-se por estes dias o regresso às aulas quer ao nível do Ensino Não-Superior, quer a nível do Ensino Superior.
À parte da azáfama das compras de última hora para mais pequenos e mais crescidos, há um destaque particular dado ao acesso da Ensino Superior por parte daqueles que terminaram o Ensino Secundário em Junho passado.
Nada disto é diferente do que vem acontecendo nos últimos anos, e mais uma vez uma série de questões preocupantes afloram na sociedade civil, nomeadamente a da necessidade, utilidade, e mais preocupante ainda, as saídas profissionais de uma série de licenciaturas/mestrados integrados que se ministram nos nossos estabelecimentos de Ensino Superior; e o confronto destes dados com o investimento realizado na melhoria das qualidades de ensino a nível conceptual e estrutural.
Ao longo do meu percurso académico, que recentemente terminou, tive oportunidade de exercer cargos directivos a nível associativo estudantil e de estar presente em muitas discussões deste género – antes, durante e depois, há um conceito-base das reivindicações estudantis que se vai mantendo ao longo dos tempos: continua-se a pedir a melhoria da qualidade do ensino. E não se trata apenas de uma reivindicação tola e desadequada pela falta de originalidade. No meu caso particular – Medicina – parece que a passos distantes as coisas acontecem sem uma convergência e uma orientação clara dos objectivos. Aumentam-se os numerus clausus e mantêm-se o número de docentes e os espaços físicos; reformam-se programas e procede-se à sua aplicação sem discussão adequada e informação oportuna a todas as partes envolventes (docentes e discentes); fazem-se investimentos sob a égide das faculdades que acaba por se consagrar em larga escala a actividade científica, deixando uma pequena fatia para a actividade docente propriamente dita.
Não neguemos hoje aquilo que se construiu ao longo de muitos anos– as faculdades são importantes centros de conhecimento e de actividade científica, particularmente ao nível da Medicina, mas jamais podemos esquecer a real dimensão destas instituições, que existem para formar condignamente os novos profissionais deste país.
Defendo, por isso, que se deve antes tratar do que temos e só depois pensar em alargar o “império” – quero com isto dizer que, no caso particular da Medicina, devemos pensar em reabilitar os espaços e os programas das instituições agora existentes e depois pensar em institutir o curso de Medicina em outras Universidades.
Em tempo de vacas magras, a criação do curso de Medicina na Universidade do Algarve envolveu-se de um imenso show-off próprio de um ano em que se aproximam as eleições legislativas.
Em primeiro lugar, é bom que se diga que Portugal não tem, numericamente falando, falta de médicos – a nossa média por mil habitantes é superior à da União Europeia –; o que temos é médicos mal distribuídos por especialidade e por região.
Em segundo lugar, é bom que se diga com clareza que o curso de Medicina na Universidade do Algarve, à semelhança dos cursos de Medicina da Universidade da Madeira e dos Açores, não fixarão os futuros médicos aí formados nessas regiões. Finda a licenciatura/mestrado integrado, os recém-licenciados submetem-se a um concurso nacional onde são colocados no binómio especialidade-hospital por ordem previamente estabelecida por um exame da Ordem dos Médicos. Também é bom de ressalvar que os alunos que ingressam no curso de Medicina das Universidades da Madeira e dos Açores apenas cumprem aí os três primeiros anos. Os restantes são realizados na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa e na Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra, respectivamente.
Em terceiro lugar, ao contrário daquilo que se fez parecer, o curso de Medicina da Universidade do Algarve não são novas e mais vagas para a vulgar formação de médicos. São antes vagas disponíveis apenas para quem tenha concluído o primeiro ciclo de 3 anos de licenciaturas em ciências relacionadas com a saúde (p.e. Bioquímica, Enfermagem, Ciências da Saúde, entre outros) e com uma formação muito vocacionada à Medicina Geral e Familiar (vulgo, Médico de Família). Questiono-me se no início dessa formação os formandos não terão determinado tipo de conhecimentos em falta e se no fim da formação não terão o pensamento viciado para a escolha da especialidade.
Reforço a ideia de que esta análise não pretende ser uma apologia contra estas medidas, apenas considero fundamental o esclarecimento pela totalidade e julgo que não podemos dar passos maiores do que a perna, neste caso particular, não queiramos formar médicos à pressão apenas porque sim: façamo-lo com pés e cabeça e ponderadamente.
No fim tudo pode correr bem, mas este início atabalhuado e apressado dá-me receio de que a necessidade de populismo se reflicta em má formação médica.