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quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Fui!

Já volto!

Sou eu!

Parece que voltei à adolescência e apetece-me dialogar com um qualquer amigo imaginário que me preenche o espaço vazio que tenho! Partilho com quem quiser ouvir e ler. Às vezes tenho interesse, outras vezes interesse nenhum, mas para mim tenho o interesse que julgo ter... e interessa-me! Caio redondo de sono a pensar e acordo ainda com sono mergulhado num qualquer pensamento! Já não tenho crises de identidade, mas de organização! Enquanto assim for, a descoberta acontece!... E eu, pequenino e formiga trabalhadora, por vezes cigarra em pleno ócio, deixo-me levar em filosofias (des)interessantes!
Afinal, a minha paixão e a minha sede por querer entender tudo e mais um pouco, leva-me a refletir sobre coisas mais ou menos exploradas, na minha maneira muito própria de as dizer!
Quase sempre autobiográfico, busco contexto no meu dia-a-dia, e na generalização (mais ou menos generalizada) tento encontrar lógica para os comportamentos, os anseios e os pensamentos.
Agora lembro-me dos meus pais e apetece-me dizer obrigado!
Na estranheza desta afirmação há uma lógica profunda de verdade, porque afinal são só os melhores pais do mundo...
Na escuridão à minha volta, a luz deste monitor focaliza a minha atenção no que escrevo e não tenho vontade nenhuma de parar. Na desconexão que faço da realidade há uma conexão muito forte a mim mesmo, ao que penso, ao que anseio e à forma como me comporto.
Sou preconceituoso, ansioso, metódico, obsessivo e, no fundo, tudo isso tem uma lógica e uma origem. A origem está naqueles a quem agradeci e a lógica está na minha necessidade de encontrar qualquer coisa que me faça sorrir!
Sou mimado, contemplador, apaixonado e exagerado, mas sou genuíno nas palavras, nos actos e no que sinto!
Se sou feliz assim, ainda não sei responder, mas porque sou assim não sei ser de outra forma!
A mim deixo um abraço e aos outros aquilo que quiserem receber! Fui egocêntrico, mas essa é também uma ponta vincada da minha personalidade!

O fim do dia!

O dia acaba em pijama em frente ao computador! Amanhã há mais, mas hoje não me apetece dormir... Em vez de ficar no ócio em frente ao televisor, escrevo qualquer coisa que não enche os olhos ou a alma de ninguém mas deixa-me a mim jogar fora um qualquer pensamento mais pesado que preciso de passar para não sei quem!
Estive de banco e esqueci tudo... Esqueci o mundo cá fora e vivi a vida e as doenças dos meus doentes, fui alertado para coisas que não sabia, observei, auscultei, palpei, falei, ajudei, e fiz muito mais que me deu gozo... Sou médico por gosto e apaixonado por aquilo que faço! O resto, desde as condições de trabalho ao companheirismo entre profissionais de saúde, deixo para reflexões de outro calibre.
Depois veio a reunião em família porque o puto fazia anos... Os sorrisos das crianças valem por demais, mas eu estava cansado... Mesmo assim dois dedos de conversa e, ao chegar a casa, ainda reli a sessão clínica de amanhã!
Agora falta-me qualquer coisa e não quero ir dormir... Não quero... Falta-me alguém aqui e não quero ir dormir... Não quero...

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Seco!

Não me apetece escrever textos em que invento uma imagem googlada, apetece-me escrever da forma mais seca que existe...
Estou seco... A saliva não existe, a pele das minhas mãos está seca e uma frieira até já gretou!
Estou seco nas palavras que digo a quem gosta de mim e sou curto, rude, nervoso!
Nervoso sem ser miudinho porque isso já era ser menos seco do que aquilo que estou a ser!
Não quero marcar as férias... não nasci para marcar férias... Não tenho projectos, não tenho chamamentos... Fico-me por aqui e trabalho...
Sei que aquilo que acabo de dizer não é o que penso nem o que sinto, mas hoje é, e é isso que importa! Estou seco demais para marcar férias com água numa praia qualquer, ou seco demais para marcar umas férias com neve numa pista qualquer, ou mesmo seco demais para marcar umas férias com chuva numa Londres/Paris qualquer...
Quero ser seco, apodrecer seco e tenho nojo de mim que sou seco! E mau, às vezes...
Lágrima!

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

"Se eu não morresse nunca e eternamente buscasse e conseguisse a perfeição das coisas!"

"Se eu não morresse nunca e eternamente buscasse e conseguisse a perfeição das coisas!", quantas vezes li esta frase!
"Se eu não morresse nunca e eternamente buscasse e conseguisse a perfeição das coisas!", estava escrita, como julgo que ainda está, na estação de metro da Cidade Universitária...
"Se eu não morresse nunca e eternamente buscasse e conseguisse a perfeição das coisas!", Cesário Verde disse...
"Se eu não morresse nunca e eternamente buscasse e conseguisse a perfeição das coisas!", quantas vezes...

Hoje, penso tanto nisso! A faculdade acabada, o hospital sempre na minha vida, todos os dias, eu imperfeito! Não me consigo abstrair de todas as outras solitações e continua a pensar: "Se eu não morresse nunca e eternamente buscasse e conseguisse a perfeição das coisas!"...

Mas caramba... Viver em sufoco não é o que se quer! Viver descontraído seria muito melhor... E olho, e vejo, e nunca tenho tempo, e não busco perfeição nenhuma... Quer dizer... Até que busco, mas não encontro... nada acontece como quero, às horas que quero... Mas eu gosto desse grau de entropia estranho...
Nesta meia hora aqui sentado tento digerir um dia num hospital, pensar numa noite, esta mesma noite, e o resto fica para depois... De há uns tempos para cá que parece que tudo fica para depois... Até eu fiquei para depois...
Bolas, não se trata de dizer que ser médico é um mal maior que ser qualquer outra coisa no Universo... Eu é que sinto que devia e podia ser muito melhor... Tenho de estudar! Mais? Caramba, a faculdade não acabou? Mas é tão bom quando se estuda e se ganha mais e mais conhecimento... Mas hoje estou cansado... Sinto-me cansado... Não nasci cansado, mas ultimamente não me lembro de não andar cansado! O cansaço é psicológico, ocupa-nos mais espaço a palavra cansaço que o cansaço em si... Será verdade? Quero ser dedicado à Medicina e a mais mil e uma coisa, e já agora a mim mesmo...
Só não quero perder algumas das qualidades que tinha... mas já não me lembro delas... Deprimido? Um pouco... Ou melhor... Hoje estou mesmo distímico!
"Se eu não morresse nunca e eternamente buscasse e conseguisse a perfeição das coisas!"...
Só há uma coisa que me vale: é que sempre que vou trabalhar levo um sorriso nos lábios, e esqueço o resto do mundo... Aí tenho a certeza da opção que fiz; opção essa tantas vezes questionada!
"Se eu não morresse nunca e eternamente buscasse e conseguisse a perfeição das coisas!"...

Bendito Fado

Fado é patriotismo na saudade de um sorriso. Tarde aprendi a gostar! Uma companhia antes de voltar ao trabalho! Mafalda Arnauth!

"Bendita esta forma de vida
Por mais estranha que seja
Não há outra maior...
Bendita travessa da palha
A de uns olhos garotos
Onde o fado é loucura.

Bendita essa rosa enjeitada
Rosa branca delicada
Ou rosinha dos limões.
Bendito miúdo da Bica
Bendigo a história que fica
Do pulsar dos corações.

Bendito fado
Corridinho ou compassado
Choradinho ou bem gingado
Em desgarrada singular
Bendito fado
Bendita gente
No seu estilo tão diferente
Numa fé que não desmente
A sua sina de cantar
Bendito fado, bendita gente.

Bendita a saudade que trago
Que de tanto andar comigo
Atravessa a minha voz.
Bendito o amor que anda em fama
Numa teia de enganos
Ou feliz, qual água que corre.

Bendita rua dos meus ciúmes
Do silêncio ao desencanto
Não há rua mais bizarra
Benditas vozes que cantam
Até que a alma lhes doa
Pois foi Deus que os fez assim.

Bendito fado
Corridinho ou compassado
Choradinho ou bem gingado
Em desgarrada singular
Bendito fado
Bendita gente
No seu estilo tão diferente
Numa fé que não desmente
A sua sina de cantar
Bendito fado, bendita gente.

Bendita velha tendinha
De uma velha Lisboa
Sempre nova e com gajé
Bendita traça calé
Carmencita linda graça
Tão bonita a tua fé.

Bendito presente e passado
De mãos dadas num verso em branco
À espera de um futuro
Bendigo essas almas que andam
Uma vida à procura
De um luar que vem do céu."

domingo, 14 de fevereiro de 2010

Escrever

Houve uma altura em que achei que as letras se encaixavam comigo. Eu escrevia o que queria e da maneira que queria - aparentemente tudo me soava bem, achava que sabia o que dizia da maneira mais arrojada ou menos arrojada que encontrava. Hoje, volto a ler o que escrevi e nada me soa assim tão bem!... Fiquei mais exigente, penso de maneira diferente, estou estupidamente diferente nesse aspecto!
Continuo a gostar de escrever e a ter o desejo de agarrar numa caneta ou de colar os meus dedos ao teclado, mas as palavras custam mais a fluir e o que escrevi e o que escrevo é estranho, não parece meu!
São períodos estranhos... Em textos mais ou menos formais quero voltar aqui de novo, muitas vezes...
Terei fóruns e temas, sei que sim!... Quais? Não sei! Afinal, nunca soube!

Rosa Lobato Faria: para ler e sorrir!


Autobiografia


"Quando eu era pequena havia um mistério chamado Infância. Nunca tínhamos ouvido falar de coisas aberrantes como educação sexual, política e pedofilia. Vivíamos num mundo mágico de princesas imaginárias, príncipes encantados e animais que falavam. A pior pessoa que conhecíamos era a Bruxa da Branca de Neve. Fazíamos hospitais para as formigas onde as camas eram folhinhas de oliveira e não comíamos à mesa com os adultos. Isto poupava-nos a conversas enfadonhas e incompreensíveis, a milhas do nosso mundo tão outro, e deixava-nos livres para projectos essenciais, como ir ver oscilar os agriões nos regatos e fazer colares e brincos de cerejas. Baptizávamos as árvores, passeávamos de burro, fabricávamos grinaldas de flores do campo. Fazíamos quadras ao desafio, inventávamos palavras e entoávamos melodias nunca aprendidas. Na Infância as escolas ainda não tinham fechado. Ensinavam-nos coisas inúteis como as regras da sintaxe e da ortografia, coisas traumáticas como sujeitos, predicados e complementos directos, coisas imbecis como verbos e tabuadas. Tinham a infeliz ideia de nos ensinar a pensar e a surpreendente mania de acreditar que isso era bom. Não batíamos na professora, levávamos-lhe flores. E depois ainda havia infância para perceber o aroma do suco das maçãs trincadas com dentes novos, um rasto de hortelã nos aventais, a angústia de esperar o nascer do sol sem ter a certeza de que viria (não fosse a ousadia dos pássaros só visíveis na luz indecisa da aurora), a beleza das cantigas límpidas das camponesas, o fulgor das papoilas. E havia a praia, o mar, as bolas de Berlim. (As bolas de Berlim são uma espécie de ex-libris da Infância e nunca mais na vida houve fosse o que fosse que nos soubesse tão bem). Aos quatro anos aprendi a ler; aos seis fazia versos, aos nove ensinaram-me inglês e pude alargar o âmbito das minhas leituras infantis. Aos treze fui, interna, para o Colégio. Ali havia muitas raparigas que cheiravam a pão, escreviam cartas às escondidas, e sonhavam com os filmes que viam nas férias. Tínhamos a certeza de que o Tyrone Power havia de vir buscar-nos, com os seus olhos morenos, depois de nos ter visto fazer uma entrada espampanante no salão de baile onde o Fred Astaire já nos teria escolhido para seu par ideal. Chamava-se a isto Adolescência, as formas cresciam-nos como as necessidades do espírito, música, leitura, poesia, para mim sobretudo literatura, história universal, história de arte, descobrimentos e o Camões a contar aquilo tudo, e as professoras a dizerem, aplica-te, menina, que vais ser escritora. Eram aulas gloriosas, em que a espuma do mar entrava pela janela, a música da poesia medieval ressoava nas paredes cheias de sol, ay eucoitada, como vivo em gran cuidado, e ay flores, se sabedes novas, vai-las lavar alva, e o rio corria entre as carteiras e nele molhávamos os pés e as almas. Além de tudo isto, que sorte, ainda havia tremas e acentos graves. Mas também tínhamos a célebre aula de Economia Doméstica de onde saíamos com a sensação de que a mulher era uma merdinha frágil, sem vontade própria, sempre a obedecer ao marido, fraca de espírito que não de corpo, pois, tendo passado o dia inteiro a esfregar o chão com palha de aço, a espalhar cera, a puxar-lhe o lustro, mal ouvia a chave na porta havia de apresentar-se ao macho milagrosamente fresca, vestida de Doris Day, a mesa posta, o jantarinho rescendente, e nem uma unha partida, nem um cabelo desalinhado, lá-lá-lá, chegaste, meu amor, que felicidade! (A professora era uma solteirona, mais sonhadora do que nós, que sabia todas as receitas do mundo para tirar todas as nódoas do mundo e os melhores truques para arear os tachos de cobreque ninguém tinha na vida real). Mas o que sabíamos nós da vida real? Aos 17 anos entrei para a Faculdade sem fazer a mínima ideia do que isso fosse. Aos 19 casei-me, ainda completamente em branco (e não me refiro só à cor do vestido). Só seis anos, três filhos e centenas de livros mais tarde é que resolvi arrumar os meus valores como quem arruma um guarda-vestidos. Isto não, isto não se usa, isto não gosto, isto sim, isto seguramente, isto talvez. Os preconceitos foram os primeiros a desandar, assim como todos os itens que à pergunta porquê só me tinham respondido porque sim, ou, pior, porque sempre foi assim. E eu, tumba, lixo, se sempre foi assim é altura de deixar de ser e começar a abrir caminho às gerações futuras (ainda não sabia que entre os meus 12 netos se contariam nove mulheres). Ouvi ontem uma jovem a dizer, a revolução que nós fizemos nos últimos anos. Não meu amor: a revolução que NÓS fizemos nos últimos 50 anos. Mas não interessa quem fez o quê. É preciso é que tenha sido feito. E que seja feito. E eu fiz tudo, quando ainda não era suposto. Quando descobri que ser livre era acreditar em mim própria, nos meus poucos, mas bons, valores pessoais. Depois foram as circunstâncias da vida. A alegria de mais um filho, erros, acertos, disparates, generosidades, ingenuidades, tudo muito bom para aprender alguma coisa. Tudo muito bom. Aprender é a palavra chave e dou por mal empregue o dia em que não aprendo nada. Ainda espero ter tempo de aprender muita coisa, agora que decidi que a Bíblia é uma metáfora da vida humana e posso glosar essa descoberta até, praticamente, ao infinito. Pois é. Eu achava, pobre de mim, que era poetisa. Ainda não sabia queestava só a tirar apontamentos para o que havia de fazer mais tarde. A ganhar intimidade, cumplicidade com as palavras. Também escrevia crónicas e contos e recados à mulher-a-dias. E de repente, aos 63 anos, renasci. Cresceu-me uma alma de romancista e vá de escrever dez romances em 12 anos, mais um livro de contos (Os Linhos da Avó) e sete ou oito livros infantis. (Esta não é a minha área, mas não sei porquê, pedem-me livros infantis. Ainda não escrevi nenhum que me procurasse como acontece com os romances para adultos, que vêm de noite ou quando vou no comboio e se me insinuam nos interstícios do cérebro, e me atiram para outra dimensão e me fazem sorrir por dentro o tempo todo eme tornam mais disponível, mais alegre, mais nova). Isto da idade também tem a sua graça. Por fora, realmente, nota-se muito. Mas eu pouco olho para o espelho e esqueço-me dessa história da imagem. Quando estou em processo criativo sinto-me bonita. É como se tivesse luzinhas na cabeça. Há 45 anos, com aquela soberba muito feminina, costumava dizer que o meu espelho eram os olhos dos homens. Agora são os olhos dos meus leitores, sem distinção de sexo, raça, idade ou religião. É um progresso enorme. Se isto fosse uma autobiografia teria que dizer que, perto dos 30, comecei a dizer poesia na televisão e pelos 40 e tais pus-me a fazer umas maluqueiras em novelas, séries, etc. Também escrevi algumas destas coisas e daqui senti-me tentada a escrever para o palco, que é uma das coisas mais consoladoras que existem (outra pessoa diria gratificantes, mas eu, não sei porquê, embirro com essa palavra). Não há nada mais bonito do que ver as nossas palavras ganharem vida, esangue, e alma, pela voz e pelo corpo e pela inteligência dos actores. Adoro actores. Mas não me atrevo a fazer teatro porque não aprendi. Que mais? Ah, as cantigas. Já escrevi mais de mil e 500 e é uma das coisas mais divertidas que me aconteceu. Ouvir a música e perceber o que é que lá vem escrito, porque a melodia, como o vento, tem uma alma e é preciso descobrir o que ela esconde. Depois é uma lotaria. Ou me cantam maravilhosamente bem ou tristemente mal. Mas há que arriscar e, no fundo, é só uma cantiga. Irrelevante. Se isto fosse uma autobiografia teria muitas outras coisas para contar. Mas não conto. Primeiro, porque não quero. Segundo, porque só me dão este espaço que, para 75 anos de vida, convenhamos, não é excessivo. Encontramo-nos no meu próximo romance."